"Sai um Big Mac, uma batata média e um punhado de Hamlets!" O "cliente" a fazer o pedido imaginário bem poderia ser Aderbal Freire-Filho, diretor da montagem do clássico shakespeariano que estréia em São Paulo amanhã, para quem "deveria haver tantas encenações de "Hamlet" quanto lojas de McDonald's".
Lenise Pinheiro/Folha Imagem |
Ator Wagner Moura ensaia para viver o príncipe dinamarquês em São Paulo |
De que valeria espalhar franquias da tragédia? "Para entender um pouco melhor a vida, a nossa natureza, os monstros que temos. Hamlet é um mutante: sucede ao homem instintivo e precede o racional. Reflete o homem da Renascença, que estava querendo equilibrar emoção e razão", explica ele.
Para encarnar o príncipe dinamarquês tomado por impulsos de vingança após a morte do pai e a coroação subseqüente do tio (Cláudio, interpretado por Tonico Pereira), Aderbal tem em mãos Wagner Moura, também produtor e co-autor da tradução (com o diretor e Barbara Harrington): "Sabia desde "Dilúvio em Tempos de Seca" [primeira parceria teatral dos dois, em 2004] que ele teria a generosidade de se atirar no abismo de um personagem como Hamlet. Wagner tem essa extraordinária combinação de inteligência e emoção. Consegue ser inteligente sem deixar de ser carnal."
Em entrevista à Folha em março passado, ele dissera querer mostrar a peça "como se fosse pela primeira vez". Agora, destrincha seu método: "Não vou conseguir fazer uma lavagem cerebral nas pessoas. Só quero que não vejam frases como "ser ou não ser" gravadas numa placa de bronze. Quero partir de situações, personagens e ações para que as palavras nasçam como conseqüência. Assim, elas serão novas".
Tradução sem "tributo"
Com cenografia econômica e figurinos despojados, a montagem de Aderbal pretende ir direto ao ponto -traço que também define a tradução. "Não pagamos tributo às capas de tradução postas ao longo do tempo. Não quisemos deixar nada de que não tivéssemos um entendimento perfeito, mas tampouco coloquializamos a linguagem de Shakespeare. Ela é poética sem ser rebuscada", afirma ele.
Em cena, Wagner Moura estará ladeado por dois atores com quem contracenou em "Tropa de Elite". Fábio Lago, o Baiano da fita policial, aqui vive Laertes, filho de Polônio (conselheiro do rei Claúdio). Já Caio Junqueira, o Neto do cinema, agora encarna Horácio, melhor amigo do protagonista. Lago, conterrâneo de Moura, diz que o colega o chamou para fazer a peça no meio de uma pelada "dos baianos contra o time do [ator] Pedro Cardoso".
"O Laertes seria um playboy da época: veste-se bem, gosta de um requinte. É um cara reto, íntegro, mas cai na lábia do rei Cláudio [que o convence a matar Hamlet num duelo de espadas]. Nunca fiz um personagem tão complexo no teatro", diz.
O convite a Junqueira foi feito em circunstâncias mais formais, num avião, à época do lançamento de "Tropa".
"Tradicionalmente, o Horácio serve de platéia a Hamlet, é coadjuvante. A nossa idéia foi trazer mais calor, vivacidade a ele. Agora, é o documentarista, o cronista da peça. Vai registrar as cenas com uma câmera, e as imagens serão projetadas num telão [no fundo do palco]. Isso faz com que interaja mais com a ação: é ele quem levará a história de Hamlet ao mundo", define o ator.
0 comentários:
Postar um comentário
Comente com educação. Comentários com ofensas não serão aprovados!